Ontem foi um dia luxuoso. Tinha o tempo todo para mim, quase sem compromissos nenhuns, apenas dei uma aula. Foi também um momento mágico de certa forma, porque para já a minha aluna trouxe-me bolachinhas feitas por ela. Não, agora não é a gulosia que me fez emocionar, mas o cuidado de aquilo todo. O embrulho, a forma como estava arranjada no prato, o guardanapo, o enfeite de chocolate. Acho que nada tem maior valor do que dedicarmos tempo e atenção quando oferecemos a alguém uma coisa. Antigamente os meus pais me ensinaram ser assim, e eu até acreditei neles, mas desculpem a honestidade, nada batia um ursinho de peluche enorme, queria eu lá saber quem me tinha oferecido. Ao acabar esta frase lembrei-me que os brinquedos que continuam fazer parte do meu lar, que estão a vista são apenas aqueles que foram feitos pelo meu pai pessoalmente. Hoje acho que a maior coisa que temos para dar para além do nosso carinho é o tempo que dedicamos a uma pessoa. O tempo real, pois não falo naqueles momentos que uma pessoa vai sair mas esta a pensar já o que vai fazer a seguir, se havia de telefonar a x e não se esqueceu de desligar a TV.
Não era bem disto que queria falar. Hoje aprendi uma lição dura. Ontem a minha aluna no meio de uma frase levantou o olhar e disse-me: Ai Dora, gosto tanto de ti. Fiquei muito perturbada. Eu sei que os meus alunos gostam de mim, mergulho sempre todos os dias no brilho dos olhos e no sorriso com que me recebem todos os dias, mas fecho a historia que isso é para a „professora”, quem ensina com toda a paixão, como uma maluca. Hoje aprendi que eu própria não gosto de mim, que inconscientemente e sistematicamente destruo as minhas relações. Se eu não me amo, como ia deixar que outros me amassem. Comecei a ganhar peso após ter deixado Portugal. Como uma forma de protecção, não tinha nada a ver com o mundo que aqui me esperava. Após os 4 anos de lá estar, já não fazia parte das pessoas que cá estavam e deixei fazer de aquelas que ali ficaram. Depois a coisa melhoro, raízes ainda não tinha, mas uma nova faculdade, trabalho deram me directrizes para eu me situar no mundo. Após a doença dos meus pais – traição da minha família as coisas ficaram desfrenadas. Uma nova paixão, aprender a amar-me através dos olhos de outra pessoa fizeram-me perder mais de 20 quilos para voltar a ganhá-los após a traição (não infidelidade) da mesma pessoa. E a falta de me amar a mim própria essa fome, que tortura é enterrada na comida... Sabem, se olho para cada um de nós... eu vejo que todos temos problemas de auto-aceitação. Eu pelo menos tenho. Desafio-vos encararmo-nos a nós próprios.
Bom, no fundo só queria recomendar-vos dois filmes: Volver de Almodóvar (sempre fico de boca aberta como um homem sabe tanto de mulheres) e Straight Story de David Lynch. O segundo deixem para um dia, quando se queriam deixar levar de um passo muito devagar e sem truques, fogos de artifício ao prazer de estarem vivos. Aqui fica também a minha quarta pintura, a primeira de aguarela profissional. Ela está meio acabada e imperfeita, mas é minha, gostava que a criticassem a vontade.