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Sunday, October 01, 2006

Fome de me amar


Ontem foi um dia luxuoso. Tinha o tempo todo para mim, quase sem compromissos nenhuns, apenas dei uma aula. Foi também um momento mágico de certa forma, porque para já a minha aluna trouxe-me bolachinhas feitas por ela. Não, agora não é a gulosia que me fez emocionar, mas o cuidado de aquilo todo. O embrulho, a forma como estava arranjada no prato, o guardanapo, o enfeite de chocolate. Acho que nada tem maior valor do que dedicarmos tempo e atenção quando oferecemos a alguém uma coisa. Antigamente os meus pais me ensinaram ser assim, e eu até acreditei neles, mas desculpem a honestidade, nada batia um ursinho de peluche enorme, queria eu lá saber quem me tinha oferecido. Ao acabar esta frase lembrei-me que os brinquedos que continuam fazer parte do meu lar, que estão a vista são apenas aqueles que foram feitos pelo meu pai pessoalmente. Hoje acho que a maior coisa que temos para dar para além do nosso carinho é o tempo que dedicamos a uma pessoa. O tempo real, pois não falo naqueles momentos que uma pessoa vai sair mas esta a pensar já o que vai fazer a seguir, se havia de telefonar a x e não se esqueceu de desligar a TV.

Não era bem disto que queria falar. Hoje aprendi uma lição dura. Ontem a minha aluna no meio de uma frase levantou o olhar e disse-me: Ai Dora, gosto tanto de ti. Fiquei muito perturbada. Eu sei que os meus alunos gostam de mim, mergulho sempre todos os dias no brilho dos olhos e no sorriso com que me recebem todos os dias, mas fecho a historia que isso é para a „professora”, quem ensina com toda a paixão, como uma maluca. Hoje aprendi que eu própria não gosto de mim, que inconscientemente e sistematicamente destruo as minhas relações. Se eu não me amo, como ia deixar que outros me amassem. Comecei a ganhar peso após ter deixado Portugal. Como uma forma de protecção, não tinha nada a ver com o mundo que aqui me esperava. Após os 4 anos de lá estar, já não fazia parte das pessoas que cá estavam e deixei fazer de aquelas que ali ficaram. Depois a coisa melhoro, raízes ainda não tinha, mas uma nova faculdade, trabalho deram me directrizes para eu me situar no mundo. Após a doença dos meus pais – traição da minha família as coisas ficaram desfrenadas. Uma nova paixão, aprender a amar-me através dos olhos de outra pessoa fizeram-me perder mais de 20 quilos para voltar a ganhá-los após a traição (não infidelidade) da mesma pessoa. E a falta de me amar a mim própria essa fome, que tortura é enterrada na comida... Sabem, se olho para cada um de nós... eu vejo que todos temos problemas de auto-aceitação. Eu pelo menos tenho. Desafio-vos encararmo-nos a nós próprios.

Bom, no fundo só queria recomendar-vos dois filmes: Volver de Almodóvar (sempre fico de boca aberta como um homem sabe tanto de mulheres) e Straight Story de David Lynch. O segundo deixem para um dia, quando se queriam deixar levar de um passo muito devagar e sem truques, fogos de artifício ao prazer de estarem vivos. Aqui fica também a minha quarta pintura, a primeira de aguarela profissional. Ela está meio acabada e imperfeita, mas é minha, gostava que a criticassem a vontade.

7 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Gosto tanto de ti.

9:38 AM  
Blogger Dorka said...

“Happiness is just an illusion caused by the temporary absence of reality.”

11:53 AM  
Anonymous Anonymous said...

Não faz mal ter fome, não faz mal comer. Saborear a vida, saborear tudo e nada - o ar, o sol, a chuva, a água do mar... saborear em consciência não engorda!

2:34 PM  
Anonymous Anonymous said...

Como te sinto ao mesmo tempo tão longe e tão perto de ti. É como sentre o hoje e o ontem não houvesse qualquer distância, mas de vez em quando se abrisse um fosso.
Meu Deus, no que é que eu me tornei?...
Nada será como antes, mas acreditas que,ao fim destes anos todos, e apesar das aparências, nunca (por um dia que fosse) me esqueci de ti e que te continuo a adorar?...

2:46 PM  
Blogger Dorka said...

anonymus: ves as coisas bem mais claras do que eu... empresta lá os teus óculos! ;o) quem me dera sentir o sabor do mar na boca...

pff: Vcs tres, quatro com o Helder que me marcaram mais nesses 4 anos. Em que te tornaste? Um rapazito que as vezes esconde-se por trás do cinismo, mas nao tem nada de mau. O facto de encararmo-nos a nós próprios nao significa agora acoitar com os chicote as coisas. :o) Mas fique aqui a pergunta: em que te tornaste pff?
Ps: A paixao é mutua, bem sabes.

10:27 PM  
Blogger Maria Felgueiras said...

Que grande e profundo desabafo. Sincero até doer.

Pois bem. Não me parece que a questão tenha sido o não gostares de ti própria, mas sim o teres atravessado um período de intensa mudança. A tua vida sofreu grandes alterações, e por algum tempo estiveste à deriva, sem a protecção dos teus pais e num país que apesar de ser a tua pátria, te era estranho.

Julgo que, pelo pouco que temos conversado pelo msn, te encontras mais segura, mais calma, mais estável, mais feliz. E parece-me também que aceitas as pequenas alegrias do dia-a-dia e que descobres em tudo uma vontade de viver e de amar.

Adorei a aguarela. Linda. E fico contente que tenhas gostado de Volver. Quanto ao filme de Lynch que sugeres nunca o vi, mas fica aqui anotado para um dia o ver.

Muitos beijos, gordos e fofos. :)

5:41 AM  
Blogger Dorka said...

Foi bom V. termos falado hoje. :)

11:04 AM  

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