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Thursday, October 12, 2006

Carlos atenção, é sobre Coelho ;)

De antes pensava que ao escrever palavras requintadas, conhecidas por poucos ou ao usar expressões surpreendentes fazia alguma coisa de valor. O resplendor, o embrulho faz com que as coisas se tornem mais valiosas aos nossos olhos. Quantas vezes não compramos um produto medíocre pela sensação de luxo que a caixa dele suscita. Lembro-me de professores da faculdade a quem admirava tanto só porque simplesmente não entendia do que falavam, pois não conhecia todos aqueles termos estrangeiros. Supunha logo, que o conteúdo também chegava a tais alturas que não conseguiria perceber, de aqui a sensação de ser apenas uma formiga perante um profeta. Às vezes acho que é suficiente falar de uma forma que ninguém te perceba para te acharem inteligente. Lembro-me também de alturas quando alguém me começava falar da beleza de um verme, achava-o no mínimo um excêntrico, mas a maioria das vezes um lunático.

Hoje vejo exactamente o contrário. Sábio é aquele quem consegue falar na linguagem de aquele que está a ouvir. Penso que o meu gosto por Paulo Coelho vem de aqui. Ele consegue falar das coisas mais abstractas como se fossem apenas uma receita para fazer água quente. Não tenho lido muitos livros de ele, aliás apenas um do princípio ao fim: Verónica decide morrer. O Zahir foi posto a lado faz meses porque precisava de tempo para digerir aquilo que lá estava.

É como um montículo de areia. Uma pessoa passa ao lado, sem sequer olhar para ele, mas se se deter iria ver a precisão com que os grãos jazem um por cima do outro e como são lar de bichos, micróbios e outros seres minúsculos que só por nós não sermos capazes de os ver, eles ainda existem. De que nos serve olhar para o Universo, leis superiores da física, se nem aquelas coisas que estão a ponta do nosso nariz conseguimos perceber?

Ultimamente gosto de parar por uns minutos nos momentos mais banais que fazem já tanto parte da minha rotina diária, que não exigem nada de mim. Ainda nunca houve um momento em que não tivesse descoberto algo nunca visto ou algo que tenha feito nascer um pensamento que nunca antes me ocorreu. Pergunto-me quantas vezes deixamos passar ao lado o que é importante por perseguirmos uma visão existente apenas na nossa cabeça com uma imagem nítida, de belas cores, mas sem conteúdo? Será que as próprias coisas são importantes ou o significado, alias a teia de significados que contêm para cada um de nós?

3 Comments:

Blogger Maria Felgueiras said...

Ando a reler Estudos sobre o Amor de Ortega y Gasset. Sublinhei várias passagens e a que transcreverei de seguida é uma delas; faço-o em jeito de comentário ao teu post:

Estritamente falando, ninguém vê as coisas na sua realidade nua. O dia em que isto acontecer será o último dia do mundo, o dia da grande revelação. Entretanto, consideremos adequada a percepção do real que, no meio de uma névoa fantástica, nos deixa pelo menos apreender o esqueleto do mundo, as suas grandes linhas tectónicas. Muitos, a maior parte, não chegam sequer a isso: vivem de palavras e sugestões, avançam sonambulamente pela existência, trotando no seu delírio. Aquilo a que chamamos génio não é mais do que esse poder magnífico que alguns homens têm de dissipar um pouco dessa névoa da imaginação e descobrir através dela, tiritando de pura nudez, um novo fragmento autêntico de realidade.

11:27 AM  
Blogger Dorka said...

Olha deixaste aqui uma passagem que tem muito em que se pode "ruminar". Obrigada!

11:35 AM  
Blogger Maria Felgueiras said...

Ainda bem que apreciaste. Se algum dia leres este livro Estudos sobre o Amor, vais dar por ti a sublinhar inúmeras passages e a relê-las com frequência.

***

2:47 PM  

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