Reflexões
É impressionante como o mundo fica de pernas para o ar dum momento a outro.
Ao ver na televisão a cara das pessoas parecia estar num laboratório onde tentava descobrir a natureza humana.
Umas 8 mil pessoas estiveram ontem na praça em frente da TV estatal tentando entrar, penso que a maioria sem saber até porque.
Viam-se caras de todas as formas, reflectindo uma paleta de sentimentos impressionantes. Não sei dizer qual é que me surpreendeu mais.
Os jovens que riam às gargalhadas e estavam a curtir aquilo? Os que chegaram lá como turistas de terror tentando tirar as melhores fotos possíveis ou a gravar as cenas mais chocantes para depois as rever rodeados dum grupo de amigos? Qual será o prazer macabro que nos atrai ao sangue, a fragilidade do corpo humano, de observar o pior bem de perto como espectadores duma peça de teatro real...
Lembro-me da cara dos polícias desorientados, sem saber o que fazer, pois para cada um deles haviam no mínimo cem daqueles que os queriam magoar. Dum lado da porta casalinhos beijavam-se a uma distância segura e do outro lado pessoas assustadas a carregar feridos... como bichos encurralados num beco sem saída. Ambos os lados o mesmo povo... os responsáveis nem perto estavam, mas ninguém pareceu lembrar-se disso. Eles, guardados nas suas casa protegidas lá estavam... sentados confortáveis a pensar qual é a vantagem que poderiam tirar da situação.
Penso que uma das coisas que mais me dói como é possível odiar tanto, de destruir monumentos, arrasar com um edifício, ferir pessoas que não se conhecem, sentindo-se ridiculamente importantes... grandes... deixando sair os vermes do pior que existem dentro de nós. Como é possível pôr fogo a um carro que tinha pessoas lá dentro? Nem consigo imaginar os sentimentos das mães e esposas dos polícias que estavam cumprir o dever deles.
Sim, acho que é a falta de PENSAR, agir como animais que me choca... agir sem ver passado, presente e futuro, de se olharem a si próprios de fora. Empenharem-se com toda a força para fazer mal, sem saber porque, sem ter objectivos a frente...
Acalmei-me com as vozes na multidão de tentar acalmar alguns... de mudar, mas não magoar, não ferir... de haver sensatos também ali, que sabem que ninguém tem direito de tirar a dádiva da vida. Acalmei-me e adormeci, quando veio a manhã...
Vim descobrir que eles conseguiram entrar ao edifício saqueando tudo e que podiam, roubando os computadores, destruindo os moveis, documentos, cartas e comendo, bebendo, e fumando tudo que encontraram no bar interior, destruído por completo. Será que só agimos bem com medo de que os outros descubram quem somos na realidade? Em massa é perfeitamente aceitável roubar, tirar o que não é nosso, e destruir só para sentir-nos vivos, só porque temos a possibilidade de o fazer? Horda de zombeis que desenfreadamente vai ao extremo para sentir que existem. Gritos de auxilio talvez? Já não consigo sentir raiva, tristeza ou medo.... apenas pena, sem saber como ajudar ou mudar o olhar daqueles que ficaram gravados na minha memória.
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